O Japão planeja despejar os resíduos de águas da usina nuclear de Fukushima no Oceano Pacífico ainda durante o verão no Hemisfério Norte.
A Coreia do Norte pediu no domingo (9) à comunidade internacional que interrompa o despejo planejado pelo Japão.
“A justa comunidade internacional não deve sentar e assistir à ação maligna, anti-humanitária e beligerante da força corrupta que tenta perturbar o lar da humanidade no planeta azul, e deve se unir para detê-los e destruí-los completamente”, disse o Departamento de Proteção da Terra e do Meio Ambiente do país.
A declaração surge na sequência do relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que considerou que o plano do Japão de despejar águas residuais tratadas de Fukushima estava em conformidade com as normas internacionais de segurança ambiental.
A declaração do Centro industrial da Coreia do Norte (Pyongyang) é a mais recente de uma série de preocupações expressas por países vizinhos, incluindo Coreia do Sul, China e ilhas do Pacífico, todos os quais expressaram temores de possíveis danos ao meio ambiente e à saúde pública.
As autoridades alfandegárias chinesas anunciaram na sexta-feira (7) que a proibição de importação de alimentos de 10 províncias japonesas, incluindo Fukushima, será mantida e que fortalecerá as inspeções para controlar a presença de “substâncias radioativas, a fim de garantir a segurança das importações de alimentos japoneses para a China”.
A aprovação da ONU fez pouco para tranquilizar os pescadores e moradores ainda afetados pelo desastre de 2011.
Em uma entrevista recente à CNN em Tóquio, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, Rafael Grossi, disse que se reuniu com grupos de pescadores japoneses e prefeitos locais e reconheceu seus temores.
“Minha disposição é ouvir e explicar de uma forma que aborde todas essas preocupações que eles têm”, disse ele.
“Quando você visita Fukushima, é impressionante, eu diria até sinistro, ver todos aqueles tanques, mais de um milhão de toneladas de água contendo radionuclídeos, e imaginar que tudo isso vai ser jogado no oceano. Muitas coisas surgem, medos, e você tem que levá-los a sério, abordá-los e explicá-los.”
A Agência disse que não havia melhor opção para lidar com o acúmulo maciço de resíduos coletado desde o desastre.
“Estamos estudando essa política básica há mais de dois anos. Nós a avaliamos de acordo com os padrões mais rígidos que existem”, disse Grossi. “E estamos bastante confiantes no que dizemos e no esquema que propusemos.”
*O terremoto e o tsunami de 2011 fez com que os núcleos do reator da usina superaqueceram e contaminaram a água da instalação com material altamente radioativo.
Desde então, nova água foi bombeada para resfriar o combustível remanescente dos reatores. Águas subterrâneas e pluviais também vazaram, criando mais águas residuais radioativas que agora totalizam 1,32 milhão de toneladas métricas, o suficiente para encher mais de 500 piscinas olímpicas.
“Medida necessária”
As autoridades japonesas sustentam que o escoamento é necessário, já que o espaço para conter o material contaminado está acabando, e a medida permitiria o desmantelamento total da usina nuclear de Fukushima.
Cientistas internacionais expressaram preocupação dizendo que não há evidências suficientes para a segurança a longo prazo e argumentando que a liberação poderia fazer com que o trítio – um isótopo de hidrogênio radioativo que não pode ser removido das águas residuais – se acumule gradualmente nos ecossistemas marinhos e nas cadeias alimentares, um processo chamado bioacumulação.
O plano de lançamento de águas residuais tratadas está em andamento há anos, com o ministro do Meio Ambiente declarando em 2019 que “não havia outras opções” porque o espaço se esgota para conter o material contaminado.
Alguns lançaram dúvidas sobre suas conclusões, com a China argumentando recentemente que a avaliação do grupo “não é prova da legalidade e legitimidade” da liberação de águas residuais de Fukushima.
Quais são os riscos?
As águas residuais radioativas contêm alguns elementos perigosos, mas a maioria deles puderam ser removidos. A preocupação é um isótopo de hidrogênio chamado trítio radioativo, que não pode ser retirado. Atualmente, não há tecnologia disponível para fazê-lo.
Mas o governo do Japão e a AIEA dizem que a água contaminada será altamente diluída e liberada lentamente ao longo de décadas.
Isso significa que a concentração de trítio liberada seria igual ou menor do que a quantidade permitida por outros países e atenderia aos regulamentos internacionais de segurança e meio ambiente, dizem eles.
A TEPCO (Companhia de Energia Elétrica de Tóquio), o governo do Japão e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) também argumentam que o trítio ocorre naturalmente no meio ambiente, da chuva à água do mar, à água da torneira e até mesmo no corpo humano – portanto, liberar pequenas quantidades no mar deve ser seguro.
No relatório da AIEA, Grossi disse que a descarga de água tratada no mar teria um “impacto radiológico insignificante nas pessoas e no meio ambiente”.
Mas os especialistas estão divididos sobre o risco que isso representa.
A Comissão Canadense de Segurança Nuclear diz que o próprio trítio é muito fraco para penetrar na pele – mas pode aumentar o risco de câncer se consumido em “quantidades extremamente grandes”. Enquanto isso, a Comissão Reguladora Nuclear dos EUA reconheceu que “qualquer exposição à radiação pode representar algum risco à saúde” – mas acrescentou que “todo mundo está exposto a pequenas quantidades de trítio todos os dias”.
Robert H. Richmond, diretor do Kewalo Marine Laboratory da Universidade do Havaí em Manoa, está entre um grupo de cientistas internacionais que trabalham com o Pacific Island Fórum para avaliar o plano de liberação de águas residuais - incluindo visitas ao local de Fukushima e reuniões com a TEPCO , as autoridades japonesas e a AIEA. Depois de revisar os detalhes do plano, Richmond o chamou de “imprudente” e prematuro.
Uma preocupação é que diluir as águas residuais pode não ser suficiente para reduzir seu impacto na vida marinha. Poluentes como o trítio podem passar por vários níveis da cadeia alimentar – incluindo plantas, animais e bactérias – e serem “bioacumulados”, o que significa que se acumularão no ecossistema marinho, disse ele.
Ele acrescentou que os oceanos do mundo já estão sob estresse devido às mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, à pesca predatória e à poluição. A última coisa que precisa é ser tratado como um “lixão”, disse ele.
E os riscos potenciais não afetarão apenas a região da Ásia-Pacífico. Um estudo de 2012 encontrou evidências de que o atum rabilho havia transportado radionuclídeos – isótopos radioativos como os das águas residuais nucleares – de Fukushima através do Pacífico para a Califórnia.
Como a água será lançada?
Primeiro, as águas residuais serão tratadas para filtrar todos os elementos nocivos removíveis. A água é então armazenada em tanques e analisada para medir o quão radioativa ela ainda é; grande parte será tratada uma segunda vez, de acordo com a Companhia.
As águas residuais serão então diluídas em 1.500 becquerels de trítio – uma unidade de radioatividade – por litro de água limpa.
Para efeito de comparação, o limite regulamentar do Japão permite um máximo de 60.000 becquerels por litro. A Organização Mundial da Saúde permite 10.000, enquanto os EUA têm um limite mais conservador de 740 becquerel por litro.
A água diluída será então liberada através de um túnel submarino ao largo da costa, no Oceano Pacífico.
“Um monitoramento garantirá que os padrões internacionais de segurança relevantes continuem sendo aplicados ao longo do processo de décadas estabelecido pelo governo do Japão e pela TEPCO”, disse Grossi no relatório.
Os EUA apoiaram o Japão, com o Departamento de Estado dizendo em uma declaração de 2021 que o Japão foi “transparente sobre sua decisão” e parece estar seguindo “padrões de segurança nuclear globalmente aceitos”.
O Conselho de Energia Atômica de Taiwan disse que a quantidade de trítio liberada está “abaixo do limite de detecção e o impacto em Taiwan será mínimo”. A ilha está localizada a sudoeste do Japão.
Mas há mais resistência dos vizinhos mais próximos do Japão.
Em março, uma importante autoridade chinesa alertou que as águas residuais poderiam causar “danos imprevisíveis ao ambiente marinho e à saúde humana”, acrescentando: “O Oceano Pacífico não é o esgoto do Japão para descarregar sua água contaminada por energia nuclear”.
O Secretário-Geral do Fórum das Ilhas do Pacífico, um grupo intergovernamental de ilhas do Pacífico, incluindo Austrália e Nova Zelândia, também publicou um artigo de opinião em janeiro expressando “graves preocupações”.
“Mais dados são necessários antes que qualquer liberação no oceano seja permitida”, escreveu ele. “Devemos a nossos filhos e netos trabalhar para garantir que seus futuros sejam garantidos e seguros.”
O primeiro-ministro sul-coreano, Han Duck-soo, mostrou apoio ao plano em junho, dizendo que poderia beber as águas residuais depois de tratadas para atender aos padrões internacionais, de acordo com a Yonhap - uma declaração ridicularizada pelo líder da oposição do país .
Outros países também não liberam águas residuais?
Muitos órgãos, incluindo a AIEA , apontam que as usinas nucleares em todo o mundo liberam rotineiramente e com segurança águas residuais tratadas contendo baixos níveis de trítio.
Um porta-voz da Comissão Reguladora Nuclear dos EUA, um órgão do governo, confirmou à CNN que “praticamente todas as usinas nucleares nos EUA descarregam água contendo baixos níveis de radioatividade na hidrovia em que estão localizadas”.
“O trítio não pode ser filtrado, mas um cidadão teria que ingerir uma quantidade significativa dele para que houvesse a possibilidade de um problema de saúde e a água radioativa liberada é muito diluída pelos fluxos na hidrovia”, disse o porta-voz.
Muitos cientistas não estão tranquilos. Tim Mousseau, professor de ciências biológicas da Universidade da Carolina do Sul, apontou que, mesmo que essa seja uma prática comum entre as usinas nucleares, simplesmente não há pesquisas suficientes sobre o impacto do trítio no meio ambiente e em nossos alimentos.
Richmond, da Universidade do Havaí, acrescentou que “o mau comportamento de outras pessoas” não é desculpa para continuar lançando águas residuais no oceano. “Esta é uma oportunidade definitiva para (o Japão e a AIEA) mudarem para melhor a maneira como os negócios estão sendo feitos”, disse ele.
Como o público se sente?
Tem havido muito mais ceticismo dos moradores da região – levando alguns compradores a estocar frutos do mar e sal marinho, por medo de que esses produtos possam ser afetados pela liberação de águas residuais.
Na Coreia do Sul, os preços do sal marinho dispararam, com os lojistas dizendo que suas vendas dobraram recentemente, informou a Reuters . Ele citou um tweet viral em coreano que afirmava ter comprado três anos de algas marinhas, anchovas e sal.
A autoridade de pesca coreana também disse que intensificará os esforços para monitorar as fazendas de sal quanto à radioatividade e manterá a proibição de frutos do mar nas águas próximas a Fukushima, informou a Reuters.
Membros do público coreano também protestaram contra o plano, com alguns usando máscaras de gás do lado de fora da embaixada japonesa em Seul.
A opinião também é mista entre o público japonês. Uma pesquisa da Asahi Shimbun em março constatou que 51% dos 1.304 entrevistados apoiaram a liberação de águas residuais, enquanto 41% se opuseram. No início deste ano, moradores da capital Tóquio foram às ruas para protestar contra o plano.
Em Fukushima, a província onde ocorreu o desastre, os pescadores locais se manifestaram contra o plano desde o primeiro dia. Por muitos anos após o colapso, as autoridades suspenderam suas operações de pesca e outros países introduziram restrições à importação.
Mesmo depois que a água e os peixes ao redor voltaram a níveis seguros, a confiança do consumidor nunca foi totalmente restaurada, e a indústria pesqueira de Fukushima agora vale apenas uma fração do que já valeu.
Muitos argumentam que a liberação de águas residuais pode prejudicar ainda mais a reputação global e regional de Fukushima – mais uma vez impedindo a subsistência dos pescadores.
Fonte: CNN