Estudo mostra que borboletas coexistiram com dinossauros

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Imagem: Getty Images


Segundo a descoberta, os insetos teriam surgido há 100 milhões de anos na América e se alimentavam de leguminosas.

Depois de roer as folhas de uma planta da família do feijão, a lagarta forma uma pupa na qual se desenvolverá em borboleta. É uma cena banal. Surpreendente é imaginar que a mesma planta possa ser comida por um dinossauro, ou que em volta dela voem as primeiras versões de abelhas que já existiram.

Estamos falando de 100 milhões de anos atrás, em algum ponto das atuais América do Norte e Central.

“Definir essa data de origem é importante para ligar todos os aspectos da evolução das borboletas, traçando um panorama completo”, celebra a evolucionista brasileira Mariana Braga, em estágio de pós-doutorado na Universidade Sueca de Ciências Agrárias, em Uppsala.

Ela participou de um estudo, que classifica como altamente colaborativo, envolvendo uma centena de pesquisadores de 28 países sob a liderança do entomologista norte-americano Akito Kawahara, curador de borboletas e mariposas do Museu de História Natural da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. O trabalho foi publicado nesta segunda-feira (15/5) na revista Nature Ecology & Evolution.

Para reconstruir essa história da origem, da dispersão pelo mundo, diversificação e evolução conjunta com plantas hospedeiras, o grupo de pesquisadores sequenciou quase 400 genes de cerca de 2.300 espécies de borboletas, representando 92% dos gêneros já descritos, e analisou informações sobre centenas de publicações. O resultado foi compilado em um grande banco de dados de acesso público.

O amplo sequenciamento empreendido no projeto permitiu a construção de uma filogenia – ou árvore genealógica de espécies – que organizou os parentescos entre as borboletas. Foi a realização de um sonho de infância para Kawahara.

“Quando eu tinha por volta de 10 anos, meu pai me levava ao Museu Americano de História Natural em Nova York, onde morávamos”, contou a Pesquisa FAPESP. Ao se associarem como frequentadores assíduos, pai e filho ganharam o direito a uma visita ao território de pesquisa no quinto andar, vedado a visitantes, um reino mágico com escadas estreitas e armários cheios de animais preservados para estudo.

Lá ele viu um painel com uma árvore filogenética de borboletas repleta de pontos de interrogação e linhas pontilhadas. “Eram marcações do que não se sabia”, explica ele, que ficou fascinado com a ideia de aprender tudo sobre borboletas e preencher as lacunas. “Agora, consegui financiamento para fazer exatamente isso.

” A conquista é também uma homenagem ao pai, que, antes de morrer alguns anos atrás, teve tempo de perguntar sobre a pesquisa do filho e ficar sabendo que ele estava desvendando a origem dos insetos que povoaram sua infância.

Um desafio do trabalho de Kawahara é obter datas que correspondam à filogenia. A estimativa de tempo costuma ser ancorada em fósseis, que são raros para borboletas – os adultos são delicados e as larvas muito pouco sólidas.

Foi necessário tirar a informação possível de apenas 11 fósseis e alicerçar os dados com muito sequenciamento, modelos estatísticos robustos, informação abundante levantada em outros estudos, distribuições geográficas a partir de publicações e coleções entomológicas. Quatro supercomputadores trabalharam para isso, três nos Estados Unidos e um na Alemanha.

Os resultados indicam que, a partir de uma ancestral mariposa, as borboletas começaram a voar durante o dia e migraram para a Ásia pelo estreito de Bering, depois se espalharam para o sul chegando até a atual Índia, que à época (entre 75 e 60 milhões de anos atrás) era uma ilha distante de qualquer lugar.

O sudeste da Ásia se tornou o maior centro de diversidade de borboletas por volta de 45 milhões de anos atrás, quando também se disseminaram pela África. Nos últimos 30 milhões de anos, o maior centro de diversidade desses insetos é a América do Sul e Central, onde sempre existiram e as espécies foram se acumulando.

“As borboletas precisam de bons habitats e plantas, foram seguindo os recursos e temos uma boa ideia do que elas comiam”, explica Kawahara. “Áreas frias não são ideais.”

Algumas espécies avançaram na colonização de novas áreas relativamente rápido, em uma escala geológica do tempo, outras passaram milhões de anos no mesmo lugar.

O pesquisador explica que algumas borboletas têm uma grande capacidade migratória, conseguindo sobrevoar o mar por muitos quilômetros e aproveitando carona em jangadas de vegetação ou rajadas de vento.

Outras, especializadas em topos de montanhas, ficam ilhadas em suas áreas. Algumas têm longas vidas que lhes permitem grandes viagens, outras são efêmeras.

Essencial nessa ocupação do mundo foi a presença disseminada das leguminosas e dos capins, os hospedeiros mais comuns. Braga explica que a associação entre espécies de borboletas e de plantas que alimentam e abrigam as larvas em desenvolvimento é bastante específica.

A borboleta precisa encontrar a planta exata para depositar seus ovos, uma relação coevolutiva que se mantém por milhões de anos. Para inferir as hospedeiras ao longo dessa extensa história, é preciso estabelecer os modelos evolutivos mais prováveis e confiar em dados abundantes e bem colhidos.

Se duas espécies irmãs usam um hospedeiro, é provável que sua ancestral também usasse. E assim, a partir do mapeamento das características atuais sobre a filogenia, é possível chegar a hipóteses razoáveis dos hábitos pré-históricos.

Durante o doutorado na Universidade de Estocolmo, na Suécia, Braga testou a teoria de que a variedade de hospedeiros era importante para a diversificação e a expansão geográfica desses animais. Para isso, desenvolveu uma forma de analisar uma família completa de borboletas junto com todas as espécies de plantas hospedeiras. “Esse método é meu cartão de visita e foi por isso que Akito me procurou em 2020, quando comecei a trabalhar nesse projeto.”

Mesmo assim, a imensidão do volume de dados não parecia permitir que as análises fossem feitas em tempo hábil. “As mais de 1,3 mil espécies de borboletas para as quais temos dados sobre as plantas hospedeiras se relacionam com 200 famílias de plantas”, conta.

Se a análise funcionasse, levaria meses pelo volume de dados. Mas ela encontrou uma forma de agrupar plantas que tendem a estar juntas nas relações com borboletas, um método que descreveu em 2021 em artigo publicado na revista Ecology Letters. Chegando a 13 grupos, foi possível dar ordem aos dados.

O grupo uniu a análise estatística dos dados genéticos às informações levantadas em mais de 30 mil registros de uso de plantas hospedeiras por lagartas e verificou que dois terços das espécies atuais de borboletas se alimentam de uma única família vegetal, enquanto menos de um terço é generalista e recorre a duas ou mais famílias. As que têm preferência por capins e leguminosas tendem a recusar outras alternativas.

Essas famílias de plantas existem no mundo todo, em todos os ambientes e não costumam produzir defesas químicas fortes contra herbívoros, permitindo relações íntimas que vêm durando milhões de anos.

“Estamos chegando a um ponto em que podemos ter bastante segurança em relação à idade das borboletas”, comemora o biólogo André Lucci Freitas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2019 ele participou de um estudo liderado pelo ecólogo Nicolas Chazot, à época na Universidade de Lund, na Suécia, em que analisaram cerca de 10 trechos do DNA de quase mil espécies de borboletas, além de 12 fósseis.

Os resultados, publicados na revista Systematic Biology, também apontaram uma origem há cerca de 100 milhões de anos. “Com essa grande quantidade de dados disponível agora, é possível fazer outros trabalhos”, afirma.

Ele também celebra a percepção, que se revela na superioridade em termos de variedade de borboletas, de que a América do Sul é “fantástica para a biodiversidade". É um continente com grande área tropical que tem ambientes tão diversos quanto a floresta amazônica e o topo da cordilheira dos Andes.

Kawahara se declara preocupado com os declínios de populações de insetos em consequência das mudanças no clima. “Nosso trabalho é importante para ajudar a entender como isso acontece.” Freitas lembra que esse conhecimento é essencial para a preservação do ambiente e dos serviços ecossistêmicos fornecidos pelos biomas, o que acaba influenciando o bem-estar de todos os organismos.

Fonte: Um só planeta

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