Na estreita península de areia entre o oceano Atlântico e o Rio Aratuá, o "novo normal" já acontece há anos e o distanciamento social não é nenhuma novidade.
O distrito de Galos “Galinhos”, tem cerca de 420 habitantes e tem se destacado com o turismo artesanal no Litoral do Rio Grande do Norte.
Para se ter uma ideia, Galinhos conta com uma única opção de hospedagem: A Pousada Peixe Galo, com apenas 10 quartos, todos com portas voltadas para o rio. E da piscina em meio à construção em forma de L dá para acompanhar ainda a maré das águas do Aratuá subir e descer, ao longo do dia.
Há mais de 10 anos, José de Miranda (o guia Júnior Tubarão), seu nome de batismo, se tornou praticamente um atrativo turístico da região com o tour gastronômico em um barco de madeira construído por ele mesmo, conduzido por canais de manguezais até praias isoladas, onde também prepara as refeições servidas aos turistas.
"É como conhecer uma Galinhos invisível, onde barcos maiores não podem ir, e ao mesmo tempo estar em total harmonia com a natureza", descreve Júnior.
Passeios de buggy no Parque de Dunas, com paradas nas lagoas rodeadas pelas dunas do Capim e do André, são também roteiros populares.
Mas só quem já esperou o pôr do sol na Praia do Farol, onde fica a construção de quase 100 anos que dá nome a essa faixa de areia, entende porque esse destino do litoral norte potiguar é um dos endereços mais exclusivos de todo o estado.
“Fazemos turismo em Galinhos com sustentabilidade, sem mexer na natureza. Nos infiltramos nela sem interferir em nada", garante Júnior Tubarão.
É o que ele costuma chamar de "agro mangrove", só para citar uma das divertidas expressões que esse autointitulado: "guia-showman-top-das-galáxias" costuma soltar durante os passeios pelos manguezais da região.
"Essa pandemia serviu para a natureza dar uma respirada. Comecei até a ver animais que não apareciam em Galinhos, como a talha-mar, ave conhecida pelo bico longo usado em voos rasantes em busca de alimento", explica o enciclopédico guia de 31 anos.
Durante os passeios de 4 horas de duração, Júnior faz paradas para coletar as ostras que são servidas no almoço que ele mesmo prepara na cozinha adaptada dentro do seu barco.
O cardápio tem também sashimi ao "molho do amor" (geleia de frutas vermelhas com pimenta e mel) e ceviche com peixes (dourado, cavala, robalo ou pescada amarela) da peixaria que os pais dele mantêm em Galinhos, há 25 anos.
Tudo isso preparado no barco criado pelo próprio Júnior Tubarão.
"Meus barcos são como um Transformer, cada pedaço dele tem uma utilidade", compara Júnior, no melhor estilo Tubarão de definir as coisas.
Suas máquinas flutuantes costumam ser nomeadas de acordo com o design, como Camaro Amarelo, Arca de Noé e Love is in the Air.
A região é muito sensível e tem caminhado para as práticas sustentáveis, como a discussão recente sobre o uso de barcos com motor a energia solar e a criação de um projeto, ainda em fase de planejamento, com uma comissão multidisciplinar para a conscientização das pessoas, proteção dos ecossistemas e controle de acesso à península.
Além da vulnerabilidade do ecossistema da região, os moradores se incomodam com a polêmica instalação de uma usina eólica nos arredores.
"Na época, a comunidade se reuniu e barrou a instalação de aerogeradores muito próximos ao distrito de Galos, provocando uma readequação do projeto inicial", lembra Saulo Leão, turismólogo e secretário de turismo de Galinhos.
"Antes, se vendiam 10 caranguejos por R$10. Hoje o turista paga R$300 para vê-los em seu habitat natural. É incomparável", comemora Leão.
Com quase todas as vias públicas ainda de areia, com charretes e bugues como principal meio de transporte, turistas que chegam de Natal conseguem ver de longe as imensas torres que brotam no horizonte, em meio às dunas.
Porém, é preciso deixar os veículos no Pratagil, estacionamento público localizado na ilha homônima, onde o visitante toma os barcos até Galinhos ou Galos, a 10 minutos dali.
Embora o vilarejo venha recebendo visitantes durante a pandemia, Júnior Tubarão avisa que estão sendo tomadas medidas como a atual barreira sanitária em Pratagil e a fiscalização do uso de máscaras.
Quando começou seu trabalho, há mais de uma década, Júnior era o único a conduzir esse tipo de passeio.
Atualmente, já são 26 barqueiros só em Galinhos, além de outros que foram surgindo nos destinos vizinhos, como Guamaré e Macau.
"Fico feliz de servir como inspiração e ver outras comunidades vivendo do turismo sustentável", conclui, orgulhoso, o "chef do manguezal", outro título criado por ele.
Imagem: Ricardo Siqueira/Brazil Photos/LightRocket via Getty Images/Eduardo Vessoni